abril 26, 2009

E de repente, tiram-nos a eternidade.


Era já um hábito discreto ficar a vê-lo dormir, mas não desta maneira.
A cama não era a dele, não havia sofá sequer e aquele…aquele não era ele.
Nunca gostou de hospitais nem clínicas ou coisa parecida. O cheiro era o mesmo, mais ou menos disfarçado, ia dar ao mesmo : cheiro a hospital, a doente.

Porquê que não põem lençóis com cor? Sempre disseram que as cores ajudavam ! ( talvez assim não se notasse tanto que estava mais branco que a cal. )

O cabelo desgrenhado (mas isso, estava sempre!), os lábios gretados, sem sorriso ou brilho no rosto. Não, definitivamente não era ele.

Era já um hábito discreto ficar a vê-lo dormir, mas não desta maneira.

Porque é que nunca me disseste o que se passava contigo? , perguntava-se a ela mesma repetidamente. Sabia perfeitamente porquê. Ele nunca deu parte fraca, nunca gostou de doenças nem nunca foi daqueles que tomam vitamina C quando estão constipados. Estava doente, mas não queria que ela soubesse . Não queria preocupá-la, sabia perfeitamente que ela ia fazer uma busca intensiva para encontrar o Creme Milagroso. (para ela havia cremes para tudo, até para doenças sem cura. )

Para quê estragar estes dias que se tinham passado!? (mas afinal… o que era aquilo tudo?)

Sempre que saía de casa à pressa prendia o cabelo , segundo ela “assim ninguém repara que não me penteei! “

Ali estava ela a roer a ponta dos dedos, cabelo apanhado e olhar vago sobre qualquer coisa que parecia ser o Mp3 dele.

- Bom dia bonita! (saiu-lhe com voz mais fraca de sempre, mas era a única que lhe restava.)

(abraço de segurança e beijo na testa!)

- Ó, finalmente! Estava a ver que tinha de continuar a pensar sozinha o quanto este sítio é feio…

Queria-lhe perguntar porque é que nunca lhe tinha contado nada, mas sabia que não era a melhor altura. Na hora certa ele contar-lhe ia tudo, sempre fora assim…não era agora que ia mudar! (será?)

Sabia perfeitamente que ela estava roída por dentro à espera que lhe contasse alguma coisa, mas também sabia que ela não ia perguntar nada. Sempre conseguiram falar pelos olhos e nem o vazio ou o baço conseguiam impedir isso.

- Os médicos disseram que tenho de ir embora, já nem devia estar aqui mas insisti ficar até acordares…

Não queria nada que ela fosse embora, detestava hospitais ou coisas parecidas. Queria que ela ficasse ali com ele, pelo menos até adormecer… mas sabia que não podia, nem queria que ela o visse assim por muito tempo.

- Vai descansar…. Eu fico bem! Sou o mais giro do hospital, vou ter tratamento especial!

- Só és porque eu estou aqui! Então vou indo…mas amanhã de manhã estou cá antes de acordares.

Precisavam os dois do abraço de segurança, mas nem um nem outro tinham a força necessária.

Deu-lhe um beijo leve e foi embora antes que ele lhe visse as lágrimas que teimavam em sair com vontade própria.


“- Ó bonita… faz por ti o que nenhum plano elabora!”

Hoje o sofá estava mais frio, desconfortável e vazio do que nunca. Ia passar ali a noite…parecia estar mais próxima dele ali, do que em sua casa.

“Faz por ti o que nenhum plano elabora! “ Que quereria dizer ele com aquilo?

E de um momento para o outro….tiram-nos a eternidade.

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