maio 12, 2009

(último) Tic Tac

Os últimos dias tinham demorado séculos a passar, mas finalmente tinham acabado.

Agora que estava ali mesmo em frente à porta de casa dele, pensa que deveria ter dito alguma coisa. E se ele não estivesse em casa? Ou se não gostasse da surpresa? A resposta estava quase a ser dada.

Mesmo antes de tocar a porta abriu-se:

- Sua badameca! Bem me parecia que estava a sentir alguém à porta!

(abraço como há muito já não sentia e beijo na testa.)

(ainda cheirava a flores o cabelo dela.)

Sabia que me estavas a mentir, não sabia era ao certo quando vinhas! Ainda não aprendeste a mentir?

- Ao que parece…não! Mas foi surpresa na mesma, não sabias quando vinha!

-Vou tomar um banho rápido e vamos jantar, ok?

Enquanto ele tomava banho, reparou num monte de cartas com o seu nome.

Se têm o meu nome, são para eu ler!, pensou. E assim foi!

Todas as cartas falavam em episódios já muito antigos (como é que ele ainda se lembrava daquilo?). Desde a queda em casa dele , quando ela se decidiu percorrer a casa a correr em meias, cuecas e t-shirt só para ir tomar banho antes que ele (“ -Não ajudes! Continua aí a rir-te que eu não me magoei nem nada! “,adorava quando ela amuava!), até à caixa de “matrioscas” feitas com caixas do Mc Donalds , poucos meses depois de terem começado namorar.

Falavam em saudade e neles os dois. Também explicou porque é que nunca lhe tinha dito que estava doente (mas isso, ela sempre soube!).

- Antecipaste-te! Era só para leres depois!

-Não faz mal, não tinha nada para fazer!

Abraçou-o…não o queria perder mais . (Pede-me para ficar, pede-me para ficar!)

(Diz que não queres ir…diz que não queres ir!)

Obrigada! (obrigada bastava, ele sabia perfeitamente que aquelas cartas lhe diziam muito. Ela sempre lhe pedira para ele lhe escrever e ao fim daquele tempo todo, lá conseguiu.)

Pouco jantaram, nem um nem outro tinham fome. As palavras saiam-lhes da boca como o “tic tac” dos relógios, sem parar. Ela contou-lhe como tinham corrido os dias no estágio e ele, como todas as enfermeiras (supostamente) “lhe tinham feito olhinhos”!

Tic Tac

Tic Tac

Tic Tac

Eram 04:56h e estavam novamente à porta de casa dele. (Pede-me para ficar, pede-me para ficar!)

-Bem, preciso de descansar! Amanhã a minha mãe ficou de passar por cá de manhã!

(ok, não me peças para ficar! E voltar? Pede para voltar amanhã…)

- Ok bonito, eu também preciso de descansar, estou cansada da viagem! Vemo-nos amanhã?

A cara dele estava tensa…

- Entra um bocado.

(não é este entrar que eu quero! O que é agora?)

Tu estás-te a iludir outra vez !

- A iludir? Que conversa é essa?

- Deixa-me acabar! Tu não podes estar comigo durante dois anos, deitar tudo a perder e voltares um dia, passados outros dois anos como se nada fosse. Não me podes exigir isso, não podes exigir que eu esqueça que esse corpo já esteve em braços, que não os meus. Não me podes pedir para esquecer de um dia para o outro. Por isso, sim estás-te a iludir. Estamos a ir muito depressa!

(a minha alma está parva! Ele tem razão….)

- Eu sei que não posso, e nunca te pedi isso! Mas caramba, já viste que juntos somos muito mais!? Não te pedi para me aceitares de um dia para o outro, ou para esqueceres. Eu sei que não vais esquecer.

(Gosto tanto de ti….)

- Vamos com mais calma…dá-me espaço!

-Não quero espaços! Já me chegaram os espaços! Dois anos não chegaram?! E nestes meses todos que estivemos juntos?! E estas cartas?

(o que é que me estás a fazer? Não me tires assim o tapete, não assim!)

- Isso é tudo verdade, é tudo real. Também sinto isso tudo que tu sentes…mas põe-te na minha situação! Quem me garante que não voltas a fazer o mesmo?

-Para isso não tinha voltado passado tanto…demorei, mas percebi! És tu…só tu….


Tic Tac

Tic Tac

- Tenho medo….

- Eu também… mas não é a fugir que se resolve.

- Não é fugir…é só um espaço. Clarificar ideias.

(Mais ainda? Para mim está tudo muito claro! Não me deixes ir….)

- Ok…eu vou indo então! Sabes onde me encontrar.

E foi assim embora. Sem um adeus, sem um até amanhã, sem um “liga-me”, sem um abraço, sem um beijo.

(o que é que queres? tu é que quiseste assim!)

Não podia acreditar. Tudo o que mais receava, aconteceu. Caiu-lhe o mundo em cima das costas! Não podia ter sido assim… não podia. Os olhos estavam cobertos de lágrimas, só queria ir para casa e adormecer. Só acordar quando ele a for buscar! (Não acredito! Não acredito! )

Só queria chegar rápido…bem rápido!

Tic……………….Tac

E de repente tudo deixou de ser rápido, confuso ou desfocado. Ela foi mesmo em frente a um camião e morreu nessa noite.


Tudo tinha parado ali. Não havia mais cheiro a flores no cabelo, não havia mais mensagens a meio da noite. Não havia sofá suficientemente pequeno para caber só ele. Não havia mais futuro, não havia mais “nós”, não havia mais a oportunidade de serem eles outra vez.

Ele não tinha mais a oportunidade de lhe dizer que só precisava de uns dias, que na verdade queria que ela fosse viver com ele, mesmo não sendo os dois quem foram, podiam ser muito melhor.



TIc….



Por vezes ainda sentia o cheiro dela lá em casa, alguém que por momentos parecia ser ela na rua…mas não valia a pena olhar para trás. Não era ela…nunca mais a iria ver ou sentir.

Que interessa ter vencido isto dentro de mim, se já não estás aqui comigo? Estou morto por dentro, desde aquela noite em que foste.

Tac.

(o relógio calou-se para sempre.)



-Fim-


1 comentário:

Anónimo disse...

Será escusado comentar o bom e o belo que este conto tem, minha cara.

Pedro